Texto permite transferência de terrenos que hoje são de propriedade da União.
Tramita no Congresso uma polêmica PEC que pretende mudar a Constituição para permitir a privatização de terrenos de marinha – a apelidada de “PEC das praias”.
A controvérsia se intensificou depois que Luana Piovani e Neymar trocaram farpas nas redes sociais por causa da PEC. Enquanto a atriz se posiciona contra a proposta, o jogador de futebol anunciou parceria com uma construtora para um condomínio à beira-mar, no que chamou de “Caribe brasileiro”.
Para entender o que diz a proposta, ouvimos o advogado constitucionalista Miguel Godoy, professor de Direito Constitucional da UFPR e da UnB.
O que são terrenos de marinha?
O professor explica que os terrenos de marinha são áreas localizadas entre a linha imaginária da média das marés registrada no ano de 1831 e 33 metros para o interior do continente. É uma faixa costeira considerada estratégica pelo governo e de propriedade da União.
É importante destacar que se tratam de terrenos de marinha – pela proximidade com o mar -, e não da Marinha – ou seja, de propriedade das Forças Armadas.
O que diz a PEC das praias
A PEC 3/22 (número 39/11 na Câmara) prevê uma nova distribuição para propriedade e gestão desses terrenos. O texto inicial propõe que possa haver a transferência desses territórios em terrenos de marinha da União para pessoas particulares, Estados e municípios, conforme explica o professor Miguel.
Na prática, se aprovado, o texto permitirá que empresas de diversos setores passem a ter domínio sobre esses territórios, como resorts, hotéis, cassinos e instituições de outros segmentos.
Essa prática ocorre em diversos polos turísticos do mundo. É o caso da cidade de Cancún, no México, conhecida por ter resorts com praias paradisíacas particulares.
Permaneceriam com a União praias e demais terrenos de marinha em áreas específicas, como as afetadas ao serviço público Federal, com unidades ambientais federais e as não ocupadas.
- Confira o texto inicial.
Críticas
Para o constitucionalista, a PEC é péssima por duas razões: a primeira, porque permite que a União venda um patrimônio que hoje é de todos para apenas alguns entes ou pessoas.
Ou seja, na prática, a PEC vai permitir que pessoas, empresas ou Estados e municípios comprem terrenos de marinha e explorem como bem entenderem essas áreas. A tendência é que esses terrenos sejam adquiridos por particulares ou concedidos a eles. Resorts, hotéis, pousadas, praias cercadas e exclusivas se tornarão tão comuns quanto inevitáveis caso a PEC seja aprovada.
A PEC em si não privatiza as praias, mas faz com que o uso privado dos terrenos na frente delas as tornem de acesso exclusivo para quem estiver nos resorts, hotéis, pousadas ou casas privadas construídas nos terrenos de marinha que agora poderão ser alienados.
Em segundo lugar, a PEC é ruim porque inevitavelmente vai permitir uma ocupação desordenada dos terrenos à beira mar, tornando essas áreas mais suscetíveis a desastres.
Tramitação
O texto foi discutido em audiência pública e ainda não tem data para ser votado. Diante da polêmica, o presidente da Casa Legislativa, Rodrigo Pacheco, indicou que a matéria não está entre as prioridades.
Audiência pública
O ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos participou da audiência e se posicionou contrário à aprovação.
A secretaria adjunta do Patrimônio da União, Carolina Stuchi, argumentou que a demarcação e administração desses terrenos são fundamentais para garantir a segurança jurídica e uma gestão adequada dos bens da União.
Ela explicou que a aprovação da PEC também traria diversos riscos, como especulação imobiliária, impactos ambientais descontrolados, perda de receitas para a União e insegurança jurídica. Além disso, haveria consequências negativas para as comunidades locais e desigualdades na implementação da proposta.
A coordenadora-geral do Departamento de Oceano e Gestão Costeira da pasta do Meio Ambiente, Marinez Scherer, defendeu a importância dos terrenos de marinha e da faixa de segurança para a gestão costeira, principalmente em função das mudanças climáticas.
O senador Humberto Costa também manifestou-se contrário à proposta, e destacou riscos ambientais, sociais e administrativos da medida.
Costa explicou que, atualmente, cerca de 2,9 milhões de imóveis estão nessa área, dos quais apenas 565 mil são cadastrados. A aprovação da PEC, segundo Humberto Costa, abriria portas para especuladores se apropriarem do litoral.
Humberto Costa também criticou o envolvimento de figuras públicas na defesa da PEC, citando o caso do jogador de futebol e empresário Neymar Jr. O senador destacou que o atacante do Al-Hilal, da Arábia Saudita, é sócio de um empreendimento que prevê a construção de imóveis de alto padrão entre os litorais sul de Pernambuco e norte de Alagoas. Segundo o parlamentar, “a defesa da PEC por essas figuras não é desprovida de interesses particulares”.
Relator do projeto, o senador Flávio Bolsonaro disse que pretende criar uma emenda para reforçar que as praias vão continuar “a ser de todos os brasileiros”, e que não serão privatizadas. Segundo ele, a PEC trata apenas dos terrenos já ocupados – o espaço público, que é a praia, continuaria a ser de uso comum.