Alvo de Lira, atuação de partidos menores no STF gerou de proteção à pandemia ao fim do orçamento secreto; entenda

Defendido publicamente tanto pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quanto pelo cacique do PL, Valdemar Costa Neto, o plano de restringir o acesso de partidos pequenos ao Supremo Tribunal Federal (STF) quando querem derrubar leis deve gerar impactos na dinâmica da Corte e para a sociedade, se for posto em prática. Levantamento feito pelo GLOBO identificou 35 iniciativas de siglas com baixa representação no Congresso que, desde 2019, deram origem a decisões importantes para a história recente do país, como a extinção do orçamento secreto, medidas de combate à pandemia e mudança nas regras de reeleição nas cúpulas da Câmara e do Senado.

Essas sentenças foram conseguidas por meio de dois instrumentos: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), esta última alvo da insatisfação de Arthur Lira. Nesses anos, foram contemplados com sentenças favoráveis legendas de todo o espectro, como PSOL, Rede, Cidadania, PTB, PV, Solidariedade e PROS.

Sentença simbólica

Numa das decisões mais representativas, em maio de 2020, ministros do STF autorizaram prefeituras e governos a adotar medidas de restrição à locomoção, sem a necessidade de autorização do Ministério da Saúde. À época, o governo de Jair Bolsonaro tentava impedir qualquer controle, o que gerou também a reação do Congresso.

Já o orçamento secreto passou a ser considerado inconstitucional pelo Supremo no ano passado, quando o tribunal julgou uma ADPF movida por PSB, Cidadania, PSOL e PV. As siglas questionavam a legalidade do instrumento que permitia a parlamentares destinarem recursos da União sem serem identificados e de forma desigual.

Foi por meio de provocação do PTB, sigla que sequer atingiu a cláusula de barreira e precisou se fundir ao Patriota, que o STF vetou, em 2020, a possibilidade de reeleição de presidentes de Câmara e Senado na mesma legislatura. A sentença atrapalhou os planos dos chefes das casas à época, o deputado Rodrigo Maia e o senador Davi Alcolumbre (União-AP).

A possibilidade de restrição à atividade das legendas menores junto à Corte ganhou força há duas semanas. Na ocasião, Arthur Lira sugeriu “subir o sarrafo” para a apresentação de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, as ADIs, e defendeu que deveria ser preciso 20% de apoio do Congresso para ingressar com esse tipo de pedido. A conta corresponderia a 103 deputados e 17 senadores, o que tornaria necessário o endosso de ao menos duas siglas grandes, pela configuração atual das bancadas — o PP, por exemplo, tem 50 representantes na Câmara.

— Nós temos erros na formulação de quem pode fazer ação direta de inconstitucionalidade no Brasil — afirmou Lira. — Eu já propus ao presidente (do Senado), Rodrigo Pacheco, que o Congresso apresente (uma proposta nesse sentido). Nós temos que subir o sarrafo das proposições de ADIs.

Outra sugestão veio do cacique do PL, Valdemar Costa Neto: apenas legendas com um mínimo de 20 deputados poderiam acionar o STF, o que excluiria 13 siglas com representação hoje na Casa. O PL, por sua vez, tem a maior bancada, com 97 membros.

Ministros divergem

Hoje, qualquer partido pode apresentar uma ADI ou uma ADPF. Também podem utilizar esses instrumentos a Procuradoria-Geral da República (PGR), representantes do Executivo e do Legislativo e entidades de classe.

Esse modelo atual é alvo de críticas porque partidos com poucos parlamentares apresentam diversas ações na Corte. Na visão de alguns — incluindo parte de ministros do STF —, há um excesso de processos, que sobrecarregam o tribunal. Outros magistrados, no entanto, consideram que a norma atual protege o direito das minorias.

Para Miguel Godoy, professor de Direito Constitucional da UnB e da UFPR, os números revelam que o modelo funciona e que as siglas não protocolam apenas solicitações sem base técnica.

— O dado mostra como partidos políticos têm efetivo acesso ao Supremo Tribunal Federal. O fato de serem partidos políticos menores não é ruim. Ao contrário, eu diria que é bom. É a garantia de que as minorias representadas podem ter acesso ao tribunal.

Durante a pandemia, o STF tomou diversas medidas de impacto: além de autorizar a competência de estados e municípios, a Corte obrigou a apresentação de comprovante de vacina para estrangeiros, prorrogou a vigência de medidas sanitárias e impediu restrições na Lei de Acesso à Informação. Todas essas decisões ocorreram a pedido da Rede, por meio de ADIs.

A porta-voz do partido, Heloísa Helena, afirmou que as legendas já enfrentam obstáculos para existir e que uma mudança iria trazer prejuízos à sociedade:

— Qual a motivação de aumentar obstáculos na comunicação da sociedade com o STF? Como retirar a legitimidade de uma ferramenta política que, para ser considerada partido, já se submete a gigantescos obstáculos legais?

Em 2023, o partido que mais apresentou ADIs e ADPFs foi o Novo, com dez ações cada. A mais recente questiona a utilização das emendas de comissão, instrumento que a sigla considera a perpetuação do orçamento secreto.

Para a representante da bancada do Novo, deputada Adriana Ventura (SP), uma mudança no requisito seria antidemocrática.

— Tirar o direito de qualquer partido de acionar o STF é mais um ataque à democracia. Querem cercear o direito legítimo de um partido representar seus eleitores — disse a parlamentar.

Em janeiro do ano passado, um dos julgamentos que irritou Lira foi o questionamento feito justamente pelo Novo, que queria derrubar o valor do fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões. Em manifestação encaminhada ao STF, Lira afirmou que a ação visava a criminalização da política e defendeu a rejeição do recurso. O Supremo, então, manteve o cálculo estipulado pelo Congresso.

Outras amarras

Ainda em maio de 2021, sob a gestão de Jair Bolsonaro, Lira patrocinou outra empreitada que limitou a atuação de parlamentares de oposição durante as votações no plenário da Casa — o que também afetou siglas pequenas. À época, parlamentares de partidos de esquerda, que estavam ao lado da minoria, argumentaram que as mudanças atentavam contra o parlamento e tinham por objetivo cercear o debate democrático.

Com a extinção do limite de tempo das sessões ordinárias e extraordinárias, focaram prejudicados recursos da oposição, como pedir abertura de novo painel para verificação de quórum e requerimentos que arrastam uma sessão.

O que está em jogo

O cerne da polêmica – Tanto o presidente da Câmara, Arthur Lira, quando o do PL, Valdemar Costa Neto, defenderam publicamente medidas para restringir a atuação de partidos menores no Supremo. Eles sugerem que ações repetidas de tais siglas na Corte fiquem condicionadas a um número mínimo de apoios no Congresso.

Ações julgadas pelo STF
  • Estado de coisas inconstitucional do sistema prisional (PSOL) – reconheceu violação de direitos fundamentais dos presos e determinou que os governos federal e estaduais apresentassem um plano para reverter a situação.
  • Medidas restritivas na pandemia (Rede) – autorizou estados e municípios a restringir locomoção, sem a necessidade de chancela do Ministério da Saúde. Depois, estendeu vigências de medidas como isolamento e uso de máscaras.
  • Orçamento secreto (Cidadania, PSB, PSOL e PV) – proibiu essa modalidade de partilha de recursos da União, em que deputados e senadores destinavam verbas a seus redutos sem transparência e de forma desigual entre eles.
  • Reeleição na Câmara e no Senado (PTB) – proibiu a recondução para as presidências das casas do Congresso em uma mesma legislatura, afetando diretamente pretensões de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre.
Casos à espera de julgamento
  • Descriminalização do aborto (PSOL) – a então ministra Rosa Weber votou para a prática deixar de ser crime até a 12ª semana de gestação. O julgamento foi suspenso e não tem previsão de retornar.
  • Emendas de comissão (Novo) – partido alega que mecanismo tem sido utilizado de forma irregular para driblar proibição ao orçamento secreto.
  • Lei das Estatais (PCdoB) – O então ministro Ricardo Lewandowski suspendeu quarentena para que dirigentes partidários assumam cargos no alto comando de empresas estatais. Decisão precisa ser confirmada por demais ministros.

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