Corte tem 219 processos interrompidos para que algum ministro possa analisá-los melhor, bem menos do que os 377 de um ano atrás, quando mudança no regimento entrou em vigor
Aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como forma de reduzir o número de processos parados, a norma que estabeleceu um prazo máximo para os chamados pedidos de vista diminuiu em 42% a quantidade de ações suspensas por ministros da Corte. Atualmente, 219 processos estão interrompidos para que algum ministro possa analisá-los melhor, bem menos do que os 377 de um ano atrás, quando a nova regra foi implementada. A retomada dos julgamentos, contudo, continua a ser um desafio. Há caso que aguarda há mais de oito anos para voltar à pauta após ter sido suspenso.
Das ações paralisada, cem já foram devolvidas pelos ministros que pediram vista, mas apenas 47 estão com julgamento marcado — as outras 53 seguem sem previsão de quando serão analisadas. Enquanto isso, das 119 que ainda estão nas mãos de algum magistrado, 28 já deveriam ter sido devolvidas. Os dados englobam tanto o plenário quanto a Primeira e a Segunda Turma. Em alguns casos, a vista envolve um recurso feito contra uma decisão específica e não paralisa todo o andamento do processo.
Em nota, o STF informou que o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, tem atuado para incluir na pauta de julgamentos do plenário os processos logo após a devolução dos pedidos de vista. “No entanto, o tempo de julgamento no plenário físico é limitado, e há 299 processos que aguardam pauta para julgamento presencial”, alega o tribunal, que destaca o fato de “praticamente metade dos processos devolvidos já estar com julgamento marcado”.
O pedido de vista é um instrumento previsto no regimento interno do STF usado por ministros para ter mais tempo para analisar uma ação antes de votar. Embora a regra anterior já determinasse a devolução do caso em até duas sessões, era comum esse prazo ser desrespeitado e um magistrado paralisar o julgamento por meses ou até anos, o que gerava críticas sobre eventuais motivações para a interrupção.
Uma emenda ao regimento que entrou em vigor no ano passado determina que os casos suspensos por ministros devem ser devolvidos em até 90 dias. Caso a ação não seja liberada para julgamento até esse prazo, isso ocorre de forma automática. Assim, além dos novos pedidos de vista paralisados passarem a ter uma duração limitada, todos os processos que estavam paralisados há anos foram devolvidos até junho. Esses prazos, contudo, ficam suspensos durante o recesso do Judiciário, que teve início do final do ano passado e acaba no próximo dia 31.
Mesmo assim, 13 ações que já haviam sido liberadas antes da nova regra ainda não foram pautadas. Um desses casos é o que discute o pagamento de auxílio-alimentação para juízes. O julgamento começou em 2013, mas foi suspenso após pedido de vista do ministro Dias Toffoli, que o liberou para ser retomado em 2015. Mais de oito anos depois, ainda não há previsão de o caso voltar à pauta. Outro processo semelhante é o de um mandado de segurança que trata sobre a conversão em dinheiro de férias não gozadas por magistrados, que aguarda desde 2016 para ser pautado.
Esses julgamentos só serão retomados por decisão de Barroso, que tem o poder de pautar o que será julgado no plenário. O próprio ministro, contudo, usou o artifício do pedido de vista no ano passado para paralisar um julgamento de ação que pede a descriminalização do aborto e, uma vez no cargo, indicou que deve manter a análise suspensa por enquanto.
Em alguns casos de liminares, a decisão foi revista imediatamente. Em 2020, em outra decisão, Lewandowski determinou que acordos de redução de salários, que haviam sido autorizados por uma medida provisória (MP) devido à pandemia de Covid-19, só poderiam ocorrer com manifestação do sindicato. Uma semana depois, contudo, o plenário reviu essa decisão e liberou os acordos individuais.
— Acho que o debate não está maduro na sociedade brasileira. As pessoas podem e devem ser contra o aborto porque ninguém acha que é uma coisa boa. O papel da sociedade e do Estado deve ser evitar que ele aconteça. A discussão que se coloca é se a mulher que teve o infortúnio de fazer um aborto deve ser presa — disse Barroso no final do ano passado.
O início do julgamento, pautado pela ministra Rosa Weber na sua última semana na Corte, no ano passado, motivou reação na bancada evangélica do Congresso, com ameaça de parlamentares de aprovarem propostas para endurecer a legislação caso o STF decida por abrandá-la.
Na mesma situação está a ação que discute a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. O ministro André Mendonça pediu vista em agosto e devolveu o caso em dezembro. Cinco ministros já votaram a favor da tese no caso da maconha. Ainda não há previsão de quando a análise será retomada.
Para Miguel Godoy, professor de Direito Constitucional da UnB e da UFPR, os dados mostram que o novo prazo mitigou o problema da vista indefinida, mas ainda é possível utilizar o instrumento para bloquear a pauta.
— A despeito da evolução com a emenda regimental, ainda assim vale a pena pedir vista. Porque as vistas continuam sendo, em alguma medida, um bloqueio ao julgamento. Já que quando elas voltam, voltam sem data certa de julgamento, não têm preferência na pauta — avalia Godoy.
Um processo, duas pausas
Apesar de estabelecer um limite para cada pedido, o regimento não impede uma sucessão de vistas por ministros diferentes. Um julgamento que trata sobre a correção do FGTS, por exemplo, foi paralisado duas vezes, a primeira em abril, pelo ministro Nunes Marques, e a segunda em novembro, por Cristiano Zanin.
Um limite a essa prática chegou a ser incluído em um Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tramitou no Senado no ano passado, mas foi retirado. O texto foi aprovado apenas com um limite às decisões monocráticas de ministros do STF.
Antes, a PEC propunha que a vista deveria ser coletiva, mas com um prazo maior, de seis meses, prorrogável por mais três. Esse trecho foi retirado antes da votação no Senado, com o argumento de que já havia sido contemplado pela mudança no regimento do STF.