Levantamento do GLOBO mostra que em apenas 14 casos uma decisão provisória foi derrubada posteriormente pelo colegiado no período
Em junho de 2022, o ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, de forma individual, cassações do mandato de dois deputados federais. Uma semana depois, a Segunda Turma da Corte derrubou a decisão, impondo um raro revés a um integrante do tribunal.
Levantamento do GLOBO mostra que, desde 2020, em apenas 14 casos uma liminar foi derrubada posteriormente pelo colegiado, o que equivale a 3,6% do que foi analisado. No mesmo período, 374 decisões provisórias foram referendas pelos demais colegas, de forma integral ou parcial. Os dados são do portal Corte Aberta, do STF.
Uma liminar é uma decisão provisória, tomada quando há alguma questão urgente que não pode esperar a análise do mérito (a discussão principal) do processo. Em alguns casos, a liminar é revista posteriormente pelo próprio relator. Em outros, não há o referendo imediato, e a análise da liminar é transformada na decisão de mérito. Ou seja, em muitos casos o julgamento da liminar não chega a ocorrer.
É o que aconteceu, por exemplo, no julgamento sobre a Lei das Estatais. No ano passado, o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu trechos da legislação que restringe a indicação de políticos para estatais. A liminar levou mais de um ano para ser analisada no plenário e, quando foi pautada, tratou diretamente do mérito da questão. Na ocasião, os ministros reviram a decisão de Lewandowski, mas liberaram as nomeações feitas com base nela.
Tentativa de freio
Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada no Senado em novembro limita esse tipo de decisão. A iniciativa, que teve o apoio do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), veda decisões individuais que suspendam ato do presidente da República, dos presidentes do Senado e da Câmara ou do presidente do Congresso. A proposta, porém, não avançou na Câmara.
Miguel Godoy, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade de Brasília (UnB), aponta que a atuação individual dos ministros continua tendo peso, não só porque a tendência é a decisão ser mantida, mas porque, mesmo quando não há o julgamento imediato, a posição influencia na continuidade do processo.
— O dado mostra como a atuação individual ainda é decisiva. Primeiro porque é a decisão individual que condiciona a discussão. Ou seja, os ministros não vão mais debater apenas se a lei está de acordo com a Constituição, mas também se cabia a liminar para suspendê-la. Segundo, porque uma decisão individual pode ser convertida mais adiante em julgamento de mérito. Terceiro, porque a liminar pode forçar cenário futuro de perda de objeto ou prejudicialidade de julgamento do próprio processo — disse ele.
Em alguns casos de liminares, a decisão foi revista imediatamente. Em 2020, em outra decisão, Lewandowski determinou que acordos de redução de salários, que haviam sido autorizados por uma medida provisória (MP) devido à pandemia de Covid-19, só poderiam ocorrer com manifestação do sindicato. Uma semana depois, contudo, o plenário reviu essa decisão e liberou os acordos individuais.
Outra decisão revista foi um habeas corpus que o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, concedeu durante o plantão judiciário, autorizando que uma pessoa presa com 390 frascos de lança-perfume respondesse o processo em liberdade. A Segunda Turma derrubou a decisão por unanimidade.
Em um dos casos, a decisão só foi derrubada porque houve empate. Foi o que aconteceu no ano passado, após o ministro André Mendonça suspender processos que tratavam de compra de terras por estrangeiros. Quatro ministros apoiaram Mendonça, e cinco foram contrários. Na época, a Corte ainda aguardava a nomeação de Cristiano Zanin. O regimento interno do STF determina que, em casos como esse, deve ser proclamada “solução contrária à pretendida ou à proposta”.
Já no caso das liminares referendadas, uma decisão importante que foi confirmada nos últimos anos foi a recondução do governador de Alagoas, Paulo Dantas, ao cargo, decidida por Barroso em 2022. Dantas havia sido afastado por decisão do Superior Tribunal de Justiça, no meio do segundo turno das eleições, quando concorria à reeleição. Também em 2022, Edson Fachin suspendeu trechos de decretos de Jair Bolsonaro sobre armas, alegando o risco de violência política nas eleições, e foi apoiado pela maioria.